8.29.2008


Um quarto de seis faces
testemunhava a solidão.
Do aparelho de som
a música ritmada
apunhalava as paredes.
A luz baça pendida do teto
deitava cor de névoa
na poeira dos vãos.

Há muito não dormias.
Tinhas sede
e gemias
tomado pela vasca
de alcançar o inatingível.

Nenhum vento perturbava
o ávido trabalho das mãos.

8.26.2008

Se eu definisse o tempo como um rio,
a comparação levar-me-ia a tirar-te
de dentro da sua água, e a inventar-te
uma casa.
Poria uma escada encostada
à parede, e sentar-te-ias num dos seus
degraus, lendo o livro da vida.
Dir-te-ia:
«Não te apresses: também a água deste
rio é vagarosa, como o tempo que os
teus dedos suspendem, antes de virar
cada página.»
Passam as nuvens no céu;
nascem e morrem as flores do campo;
partem e regressam as aves; e tu lês
o livro, como se o tempo tivesse parado,
e o rio não corresse pelos teus olhos.

Nuno Júdice

8.25.2008



(a) gosto

8.22.2008

A tarde estava errada,
não era dali, era de outro Domingo,
quando ainda não tinhas acontecido,
e apenas eras uma memória parada
sonhando (no meu sonho) comigo.

E eu, como um estranho, passava
no jardim fora de mim
como alguém de quem alguém se lembrava
vagamente (talvez tu),
num tempo alheio e impresente.

Tudo estava no seu lugar
(o teu lugar), excepto a tua existência,
que te aguardava ainda, no limiar
de uma súbita ausência,
principalmente de sentido.


Manuel António Pina

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