12.30.2008

pares
Aquela divina e ilustre timidez que é o guarda dos tesouros e dos regalosda alma. Ah, mas como eu desejaria lançar ao menos numa alma alguma coisa de veneno, de desassossego e de inquietação. Isso consolar-me-ia um pouco da nulidade de ação em que vivo. Perverter seria o fim da minha vida. Mas vibra alguma alma com as minhas palavras? Ouve-as alguém que não só eu?

Bernardo Soares

12.28.2008

Habita-me a casa velha
com chão de tijolos
que de tão lavados
já não são tijolos,
mas farelos agrupados.

A um canto aquecido,
o fogão dormita o gato.
Uma porta de quatro faces,
escuda o vento e a luz,
atenuando impasses.

Habita-me a casa velha
com a cozinha de fuligem,
onde teias de aranha
empoeiradas e cinzentas,
descem indiferentes
das cumeeiras.

12.26.2008

Bate essa saudade intermediária
entre o que foi
e o que não se confirmou,
no instante cinza
em que o dia não é mais dia
e a noite mal não começou.

12.24.2008

Céus, deixai cair o orvalho, nuvens, chovei o justo; abra-se a terra, e brote o Salvador! (Is 45,8)

Deixai cair o orvalho, pois as terras de muitas almas se secaram com a aridez do orgulho, da maledicência, do juízo temerário e da prepotência...
Deixai cair o orvalho porque a relva que dava frescor aos passos errantes se calcinou nas chamas da incompreensão e da desesperança...
Chovei o justo para os que O clamam e principalmente para aqueles que neste Natal se preocupam unicamente com a mesa farta, o consumismo e o lucro que nasce da injustiça social.
Abra-se a terra seca e fendida pela falta da água Viva. Molhai a secura daqueles que não crêem, que, tal como folhas mortas, vagueiam ao vento em busca do impossível.
Que germine o Salvador no chão infértil das fraquezas humanas.
Deixai que a semente se transmute em tronco revestido pelo alburno da fé e que seus galhos se multipliquem para dar a sombra do descanso a todos aqueles que não têm paz.
Que brote o Salvador!

12.23.2008

No canto direito do quarto,
onde as linhas da parede
se cruzam,
uma aranha armou
ardilosa teia.

Ordeno os fios
no meu inconsciente
e construo com eles um castelo
da espessura da pétala da papoula,
onde,
temerariamente,
vou abrigar a minha loucura.
Era um poema frequente,
repetido,
com o menino nos braços
de uma virgem.
Desse poema presente
e sempre ouvido,
os tempos e os espaços
tinham origem,
pois à origem do poema
sempre havia
essa virgem e o infante
e a poesia.
E era o início e era a extrema
da criação,
era o eterno e era o instante
da canção.

Jorge de Lima

12.22.2008

"Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus."
Feliz Natal!

12.21.2008

Começo a conhecer-me. Não existo.
Sou o intervalo entre o que desejo ser e os outros me fizeram,
Ou metade desse intervalo, porque também há vida...
Sou isso, enfim...
Apague a luz, feche a porta e deixe de ter barulhos de chinelos
no corredor.
Fique eu no quarto só com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato.

Álvaro de Campos
Só o que sonhamos é o que verdadeiramente somos, porque o mais, por estar realizado, pertence ao mundo e a toda a gente.

Bernardo Soares

12.17.2008

Tinhas o nome de flor quando partiste.
Trazias entranhado nas pétalas,
todo o perfume das noites
em que semeamos ternura.

Do pistilo dourado de teus dedos,
a brisa conduziu o pólen
para a terra arada pelo tempo.

Esperei a colheita da volta e,
amarguei com os espinhos da saudade.

Por certo, em doloroso processo de enxertia,
tenhas estendido teus ramos
na areia molhada
e uma estrela do mar
é hoje o teu novo jeito de sonhar.

12.13.2008

As palavras em trânsito
resvalas neste sopro.
Sabes que tens o olhar ferido desde sempre,
que o incêndio das palavras em trânsito
celebra prescritas sílabas,
ancorados ritos,
desprevenidos equinócios.

Dantes, havia um mar crispado
na fissura dos lábios.
Hoje,
apenas algumas gotas de sal.

Albano Martins

12.12.2008

branca

12.10.2008

Oh! Tu, que respiras saudade
e trazes nas vestes
o cheiro forte do mar,
que tens o olhar suplicante
e não sabes implorar.

Oh! Tu, que colhes sobras de sismos
e trazes nas mãos
poemas, punhados de seixos,
vem despir tua tristeza
em meu colo de beijos.

Vem amar!
Hoje me quebro
como finíssima taça
do mais puro cristal.

Jorra da alma,

em dor,
sangue aquoso
filho de corte abissal.

12.06.2008

arrepios

12.05.2008

Convivia com tudo que se aproveita da noite para existir. E a noite dava a sua permissão...

12.02.2008

A lua branca brilha no bosque.
De ramo em ramo,
parte uma voz que vem da ramada.
Oh! bem-amada!

Reflete o lago, como um espelho,
o perfil vago do ermo salgueiro
que ao vento chora.
Sonhemos, é hora...

Como que desce
uma imprecisa calma
infinita do firmamento
que a lua frisa.
É a hora indecisa...

Paul Verlaine

na boca da noite

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