11.30.2007

Vivo...
E de tanto tentar me recompor
acabei neste ser
recamado de erros e acertos,
amorfo e amalgamado,
sem nada do primitivo
e repleto da querença
de voltar a ser inédito,
como o primeiro verbo,
a primeira sentença,
o primeiro vagido.

11.28.2007

A menina dança sozinha por um momento
A menina dança sozinha com o vento,
com o ar, com o sonho de olhos imensos...
A forma grácil de suas pernas
ele é que as plasma,
o seu par de ar, de vento,
o seu par fantasma...

Menina de olhos imensos,
tu, agora, paras,
mas a mão ainda erguida
segura ainda no ar
o hástil invisível deste poema!

Mário Quintana

11.27.2007



Nas curvas dos pés em ponta da bailarina,
uma agulha pesponta o palco,
em bordado de “pas des deux”.

11.24.2007

Pousa o sabiá
no ramo hirto do loureiro.
Instante mavioso em que o pássaro
pleiteia com a planta
as cores de seu peito
e o canto harmonioso.

Leva a ave quando parte,
o aroma das folhas
no flanar das asas.
Recende a tarde
em música e louros.

11.22.2007


Porque não vens agora, que te quero
e adias esta urgência?
Prometes-me o futuro e eu desespero.

O futuro é o disfarce da impotência...
Hoje, aqui, já, neste momento,
ou nunca mais.

A sombra do alento é o desalento,
o desejo, o limite dos mortais.

Miguel Torga

11.20.2007

Inesperada alegria
ronda os passos matinais
num ensaio de dança.
Uma canção insiste
entre a língua e o pálato.
Ponho o vestido estampado
e os lábios pedem carmim.

Na mesma gaveta
de onde tiro os brincos,
escondo os medos.
Não é tempo de festa,
mas eu queria tanto
coroar meus cabelos
de rosa e jasmim...

11.17.2007

Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me para existir.
Era a ocasião de estar alegre. Mas pesava-me qualquer coisa, uma ânsia desconhecida, um desejo sem definição, nem até reles. Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E quanto me debrucei da janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la, senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se levam para a janela para secar, mas se esquecem, enrodilhados, no parapeito que mancham lentamentamente.


Fernando Pessoa

11.15.2007


Escrever... Escrever até que o passo cambaleante dos bêbados os leve
para sarjetas deslavadas e o último cão sonolento silencie a madrugada... Escrever até que a tinta se esvaia. Até que não haja pautas vazias. Até que mão se extenue prostrada. Escrever sim, até que o torpor se esgote e a lucidez (essa inimiga) retorne. Escrever quando o verbo transitivo, em estado de aridez já não procure mais o objeto que o console. Escrever palavras seguidas de palavras, como a tecer linha interminada (alinhavos para enganar o inexpresso), palavras que se de mãos dadas, percorreriam a rota do universo. Escrever sem a dor do poeta melancólico nem a obrigação do tipógrafo. Escrever à revelia como faço agora e deixar que serenize toda a poesia. Só então, assim vazia, grafar ao mundo que é chegada a hora...

11.11.2007

Esboço agora
gestos que não são meus.
Palavras absurdas
põem curvas nos lábios.
Há ainda na face
o rictus de um sorriso
que se foi há muito tempo.
São restos de sonhos
não sonhados por inteiro.
São sobras da mortalha
que alguém se fartou de tecer
cansada pela espera.

11.10.2007


Quando eu estiver mais triste
mas triste de não ter jeito,
quando atormentados morcegos –
um no cérebro outro no peito –
me apunhalarem de asas
e me cobrirem de cinza,
vem ensaiando de leve
leve linguagem de flores.

Traze-me a cor arroxeada daquela montanha –
lembra? que cantaste num poema.
Traze-me um pouco de mar
ensaiando-se em acalanto
na líquida ternura que tanto já me embalou.

Meu velho poeta canta um canto
que me adormeça nem que seja de mentira.

Olga Savary

11.08.2007

O que me põe aqui
em meio a um jardim que não floresce,
ou à frente da semente que não vinga?

O que me faz perder as horas,
indiferente,
como se soubesse do fim à míngua?

Por que me dói deixar o caos,
como ao cais o navio que singra leve?
Por que essa permanência no desconforto,
que me situa atenta ao inexistente?

Talvez ainda espere...

11.05.2007


O mundo estava no rosto da amada
-e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.
Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo,
eu mesmo transbordei.

Rainer Maria Rilke

11.03.2007

Foi preciso mais que isso
foi preciso o sacrifício
foi preciso muito mais
que se quedassem os pedestais
e que a neve da ousadia derretesse.

Foi preciso a polícia
e tudo além da sevícia.
Foi preciso a derrocada
em direção ao nada
para que enfim cedesse.

Foi preciso o fim do orgulho
e que cessasse o barulho
dos aplausos, das láureas e da vitória.
Foi preciso a queda merencória
para que no chão,

ele aprendesse.

Foi preciso a morte espúria
e o sepultamento da vaidade e da luxúria.
Foi preciso o caos e o fundo do poço
para que, lentamente e sem alvoroço
um novo homem, enfim nascesse.

11.02.2007

Chega através do dia de névoa alguma coisa de esquecimento,
Vem brandamente com a tarde a oportunidade da perda.
Adormeço sem dormir, ao relento da vida.

É inútil dizer-me que as ações têm consequências.
É inútil eu saber que as ações usam consequências.
É inútil tudo, é inútil tudo, é inútil tudo.

Através do dia de névoa não chega coisa nenhuma.

Tinha agora vontade
De ir esperar ao comboio da Europa o viajante anunciado,
De ir ao cais ver entrar o navio e ter pena de tudo.

Não vem com a tarde oportunidade nenhuma.

Fernando Pessoa

Powered by Blogger