Na manhã de sol,
andorinhas equilibram-se
na pauta musical
dos fios elétricos.
São notas esparsas
de um hino apopléctico,
que Beethoven de asas
tentou entoar.
Interrogo-me sobre esta
melancolia do entardecer,
como se já estivesse assente
que todo princípio de noite
é de dor de parto e choro de nascente.
Interrogo-me sobre este céu enfermiço
que se tinge de rosa de fim de ocaso
e do cinza da treva que se aproxima,
cor indecisa, sem nome e sem poesia.
Interrogo-me por fim, sobre a languidez
de punhal em riste destes acordes tristes
com que Gounod compôs a Ave Maria
e que cravam em minha alma de dúvidas
o gume de tristeza e da nostalgia.
Oh noite, que devora o homem
com gula e sofreguidão,
silício na carne fraca,
a consumir polpa e osso;
seu olhos são brilhantes,
e sua boca (no entardecer)
é coalhada de sangue e desgosto.
Oh noite que devora o homem
e como antepasto,
corrompe sua alma
a semear pecado e vício...
Se eu tivesse que lhe dar um nome,
este nome seria suplício.
Tu me deste a mão,
dois degraus acima e pediste:
Vem, subamos
até onde moram as estrelas !
O toque de nossos dedos
nos fez únicos:
tu o rei, eu a majestade,
tu a vontade de partir eu a saudade...
Tu a correnteza,
eu o murmurar das águas.
Tu o sorriso, eu o porta-retratos.
Subamos!
Unge-me com teu sal e tua essência,
até que sejamos um só,
fotografia singular:
tu o impulso, eu o flanar de asas,
tu a luz que norteia,
eu a Via Láctea.
Era exatamente assim
a fotografia que via:
mansarda acesa
em praia
de céu abrumado.
Exalava dela
aroma de melissa
e ficava entre suas mãos
e pensamento,
como abscissa de partida,
alento e remédio,
para a vida
sempre vazia.
O que me põe aqui
em meio a um jardim que não floresce,
ou à frente da semente que não vinga?
O que me faz perder as horas,
indiferente,
como se soubesse do fim à míngua?
Por que me dói deixar o caos,
como ao cais o navio que singra leve?
Por que essa permanência no desconforto,
que me põe atenta ao inexistente?
Talvez ainda espere...