HIATO 

Há nas últimas palavras,

(quando de instantâneo te calas)

muito da tristeza

das aves reprimidas pelos temporais.

Como se pressentisses

algo de despedida.

Como se a música cessasse

antes dos acordes finais.

Inquietava-me pensar naquele espelho do fundo do corredor que ampliava a solidão. Ao lado dessa lembrança, inevitavelmente surgia no escuro da estação vazia o passageiro que desembarcava da noite, com a gola do sobretudo a lhe cobrir o rosto que eu nunca pude ver. Como também ninguém viu num filme de Kurosawa, a canoa de bambu sumindo no lodo. A única certeza era o fascínio da tristeza quando eu vasculhava os baús em busca de fotografias antigas.

Conselhos 

Passo o tempo a olhar

a folha em forma de concha

que sustenta os pingos da chuva,

                         até quarenta e três.

Depois, pesada,

derrama os pingos de uma vez

na terra encharcada.

Como menino a brincar na bica

     a folha repete o gesto,

enquanto estou por perto.

No vai e vem do verde, ouço

os quarenta e três conselhos

que o pensamento dita,

e vou anotando à tinta,

o que a chuva insiste ensinar.