3.29.2011

anoitece devagar. anoitece sobre os ombros. anoitece onde não estou e em redor de meu corpo, anoitece por dentro dos objectos que evocam a tua presença. a penumbra invade a casa, corrói tudo o que é sólido. dantes, a solidão vergava-me, mas com o passar dos anos povoei-a com sorrisos, corpos, pequenos gestos que aderem à memória e me dizem que existo, que continuo vivo onde pressinto o coração a arder. é o ouro que se ganha quando se aprendeu a estar sozinho, tem-se tudo e não se possui nada. o que restava da memória foi partilhado ou foi abandonado para sempre. tudo o está constantemente presente e vibra sob a luminosidade imperceptível de ser eterno na fracção de segundo. se morresse agora não deixava nada, porque bebi toda a minha sede, esvaziei-me, devorei noites esse amargo que têm as coisas antes de nos pertencerem. teu corpo, por exemplo custou-me tanto inventar-lhe formas consistentes, um reflexo, uma sombra que se lhe adaptasse e o acompanhasse. teu corpo vive hoje dentro do espelho onde se perdeu o meu. Al Berto

3.24.2011

vem comigo
ver as pirâmedes fantásticas do vento
no interior luminoso da terra encontrarás
o segredo de quartzo para desvendares o tempo
onde contemplamos a fulva doçura das cerejas

Al Berto

3.13.2011

nós vivemos aqui
até que o frio nos fez abandonar o lugar e o
amor

não sei para onde foste morrer
eu continuo aqui... escrevo
alheio ao ódio e às variações do gosto
e da simpatia
continuo a construir o relâmpago das palavras
que te farão regressar...

ao anoitecer
há uma sensação de aves do outro lado das portas
os corpos caídos
a vida toda destinada à demolição

tento perder a memória
única tarefa que tem a ver com a eternidade
de resto... creio que nunca ali estivemos
e nada disto provavelmente se passou aqui

Al Berto

3.10.2011

sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivéssemos dado um ao outro ter-nos-íamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queríamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mão da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro

Al Berto

3.02.2011

Erguem-se os muros mudos e frios.
Ao vento rangem os cataventos.
Sinto um aperto no peito
vindo do apito dos trens e
do dobre dos sinos.
A saudade confinada
põe a face no tempo
e corre livre
como pássaros e meninos.

3.01.2011

prometo-te que uma noite voltarei, sem bússola, regressarei com o lume do rio a guiar-me, e que os olhos pousarão nos teus olhos este frémito de água. acredito nas ruas que existem por detrás dos óculos dos marinheiros, onde descansa um barco e tu foges, não acredito em ti. um fio de água enforca-nos. foi então que resolveste prosseguir viagem sozinho, com a tua adolescência um pouco ferida. eu acreditei no fogo e no silêncio que, de manhã lavam os corpos, tornando-os de novo navegáveis. esperei, ainda te espero. ando por aí a mariscar com os nativos, escondendo do mundo a tristeza que me devora o corpo

Al Berto

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