6.22.2010

SOLIDÃO

Colhia capim barba de bode
em feixes e fantasias.
Tinha os olhos verdes do pasto
e o andar gasto
de moça antiga.
Tecia cestas de ovos
para vender na feira
e carregava nos lábios,
aquela insistente cantiga
de abandono e nostalgia.

6.20.2010

OUSADIA

Caminho pela linha retesada
sem olhar adiante.
Importa apenas o instante
em que eu,

equilibrista,
mudo os passos,
pé ante pé,
temerariamente.

6.17.2010

PARA CLARICE

Ouço o teu silêncio
e o que ouço não ouso decifrar.
Seria o mesmo que ouvir outra vez
a música que cantaste
nas noites de ternura.
Seria reviver os versos
da poesia imatura
que recitaste nas horas de amor
quando, impregnada do inevitável,
declamavas para mim.
Ouço o teu silêncio
e suplico que não aprisiones as palavras
que burilas na solidão.
Elas não te pertencem,
ainda que penses possuí-las.
Devo dizer que tuas palavras
são brisa na secura,
e eu já consigo respirar

mesmo sem ouví-las.

6.14.2010

DIFERENÇAS

Elogias a eloqüência do silêncio
e defendes palavras que se calam.
Devo dizer que o silêncio é louco
e a palavra que não foi dita
é larva que corrói a alma
e remói,

remói...

É vão, portanto, teu louvor.
A mim vale mais quem grita
o amor que o crucifica.
Silêncio é para os moucos.

6.11.2010

DETENÇÃO

Um batuque insistente
tremula a janela
de velhos caixilhos
e vidro fosco.

Divisória tênue.
Grade e empecilho
entre meu cárcere,
e o vento de agosto.

Dança a cortina
sobre o rastilho
que conduz o sonho
ao pressuposto.

6.10.2010

DESRAZÃO

E não havia mais nada,
nem procura,
nem gemido,
e tudo era marasmo.
Só o silêncio entrecortado
pelo hiato de um suspiro.
E tudo era sem tino.
E não havia mais nada,
nem musgo na pedra retido.
Tudo era limbo.

6.07.2010



SAUDADE À LUZ DA LAMPARINA

As lembranças se sobrepõem,
empilhadas nos porões da inconsciência.
De repente,
sem convite ou edital
elas se abrem como leque
que abrisse lento.

Vejo-me na velha casa
da rua quinze de novembro
e a luz que vem da lamparina da infância,
(no canto esquerdo do nicho)
brilha sobre o rosto contrito
de minha mãe a rezar.

Perco-me naquela linha infinitesimal
que separa a água do azeite.
Uma brisa agita a chama,
como se o leque de recordações
indiferente,
a saudade abanasse.

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