Acostumara-se a rios e limos,
galhos secos e árvores frondosas.
E de tanto viver entre
peixes e pássaros,
um dia seu corpo se fendeu
e apareceram-lhe,
não sei se penas,
não sei se escamas.
Só sei que um caboclo
em passeio pela mata,
jurou ter visto
numa noite de luar
o voo de um peixe alado.
Ou seria um pássaro
intentando o nado?
ruínas
houve (há) um enorme silêncio
anterior ao nascimento das estrelas
antes da luz
a matéria da matéria
de onde tudo vem incessante
e onde tudo se apaga
eternamente
esse silêncio grita sob nossa vida
e de ponta a ponta a atravessa
estridente
Ferreira Gullar
Vou buscar num altar qualquer
da minha infância,
o encanto mágico da lamparina,
onde a chama estática
flutuava sobre água e óleo.
Trago essa luz-menina
para os dias adultos
que a vida se encarregou de escurecer...
o veludo da pétala despregadao musgoo toque e o sussurro...ah! quanta suavidade desperdiçada.
A cor da borra
que o cristal transpassa
é como a marca
incólume deixada
por este amor
com textura de taça,
que como o vinho,
se acabou...
Se morro universo se apaga como se apagam as coisas deste quarto se apago a lâmpada: os sapatos - da - ásia, as camisas e guerras na cadeira, o paletó - dos - andes, bilhões de quatrilhões de seres e de sóis morrem comigo.
Ou não: o sol voltará a marcar este mesmo ponto do assoalho onde esteve meu pé; deste quarto ouvirás o barulho dos ônibus na rua; uma nova cidade surgirá de dentro desta como a árvore da árvore.
Só que ninguém poderá ler no esgarçar destas nuvens a mesma história que eu leio, comovido.Ferreira Gullar
Não me alimentes com migalhas da tua mesa, nem me presenteies com mimos de má qualidade. Sou mulher de pérolas e poemas. Trago na pele a verve dos bravos e os suores de seis orgasmos. Ardo em brasas, mas, possuo também a frieza daqueles que sabem a hora de sepultar sentimentos. Abandono é mote de poesia e por isso me atrai tanto depois de repugnar. Choro pouco sobre os que morreram. Afinal, apesar do silêncio do funeral, haverá sempre pêndulos que oscilam e sinos a dobrar.
É lentíssimo o abandono
deste amor alforriado,
que vai deixando na retirada,
marcas tangíveis do tempo
em que foi senhor e escravo
do meu pensamento
e da minha aflição.