2.27.2009

o plúmbeo da solidão
abro as portas do pertencimento
e consinto que voes.
Minto.
nas linhas paralelas
plantas palavras,
nas entrelinhas,
cavas

2.26.2009

te procuro
nas coisas boas

em nenhuma
encontro inteiro

em cada uma
te inauguro

Alice Ruiz

2.15.2009

A suavidade com que ele ouvia a noite era para a noite o próprio algoz, pois a noite não se alimenta de coisas suaves.
Real, real porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste
que seja feita a tua vontade

para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.
Oh, juntar os pedaços de todos os livros

e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado!
Mas onde encontrar um passado?

Manuel António Pina
Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos versos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,

agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.

O café agora é um banco, tu professora de liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes.

Manuel António Pina

2.08.2009


Vem sentar
na paz da sombra
do ingazeiro

Vem pousar
os pés na grama úmida
da chuva de janeiro

Vem ouvir
o concerto do sabiá
iluminando a manhã

Vem colher
o mel nas fendas
da primeira romã

Vem esperar
Vésper aparecer
na noite que principia

Vem sem nada
fica até de madrugada
Traze apenas tua agonia...

2.03.2009

Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?
Como o direi?
Como o calarei?

É como se a noite se molhasse
repentinamente, quando choras.
É como se o dia se demorasse,
quando te espero
e tu te demoras.

Albano Martins

2.02.2009

Tu me deste a mão,
dois degraus acima e pediste:
Vem, subamos
até onde moram as estrelas !
O toque de nossos dedos
nos fez únicos:
tu o rei, eu a majestade,
tu a vontade de partir eu a saudade...
Tu a correnteza,
eu o murmurar das águas.
Tu o sorriso, eu o porta-retratos.
Subamos!
Unge-me com teu sal e tua essência,
até que sejamos um só,
fotografia singular:
tu o impulso, eu o flanar de asas,
tu a luz que norteia,
eu a Via Láctea.
Ninguém soube dos pensamentos
que ficaram aprisionados
pelas imposturas da razão.
Detidos, debateram-se pelo quarto
a colidir de encontro à mobília tosca,
sempre na madrugada,
quando as algemas sufocavam.

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