2.26.2010

O casarão ficava de frente para a igreja matriz. Todos os dias, ela tomava banho, se perfumava, colocava a blusa vermelha decotada e fincava os cotovelos no parapeito da janela um pouco antes do “Ângelus”. Nas mãos pensas segurava o terço, que dedilhava sem muita convicção. Todos na cidade admiravam a fé e a castidade da moça do sobrado. Quando o marceneiro descia a rua na sua Monark – Pneu balão, ela puxava o decote, e os seios saltavam alegres, quase livres. O fogo do inferno a consumia, só por alguns instantes. Depois voltava a rezar.

2.24.2010

A empregada da casa vizinha recolhia as folhas das árvores de todo o quarteirão. Amontoava num canto e depois depositava cuidadosamente num saco de plástico preto. Moça dedicada aquela. O perfume de alfazema que ela usava, misturava-se à aflição. Então, a moça se escondia atrás do muro e esperava o caminhão de lixo. O lixeiro encardido recolhia o saco e a moça. Depois de um tempo, ela saia feliz da cabine embaçada de suor.

2.16.2010

SANGUE E AREIA

Acordou naquele dia,
como só acontece
despertarem os loucos
na lua cheia.

Numa das mãos
segurava a terça-feira
e na outra a boca fechada.

Da mão que detinha o tempo,
as horas vazavam como areia.
Da outra,
a que guardava o silêncio,
palavras sangravam.

2.11.2010


DIFERENÇAS

Elogias a eloqüência do silêncio
e defendes palavras que se calam.
Devo dizer que o silêncio é louco
e a palavra que não foi dita
é larva que corrói a alma
e remói, remói.

É vão, portanto teu louvor.
A mim vale mais quem grita
o amor que o crucifica.
Silêncio é para os moucos.

2.04.2010

ALENTO

Dá-me tua mão,
essa desconhecida,
para que circundemos o silêncio.
Preciso de um pouco de amor,
enquanto penso...

2.02.2010

SIMILARIDADE


Fica no ar o gesto
de quem
diante do infesto,
se soube pequeno.

O dar as costas
impotente,
dói tanto,

quanto seguir adiante,
no calor da luta.


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