7.31.2008


Num suspiro derradeiro
sob as asas da ave em retirada
morre o dia altaneiro
com suas horas desfraldadas...

Enlutada enfim,
a terra tinge-se de negro
e com traço certeiro
um artista delineia a nanquim
o vôo da ave e os contornos
em uníssono dueto.

O céu ainda morno
dá ao dia o último afago
e brinda com tons de champanhe
a beleza deste ocaso.

7.29.2008

No canto direito do quarto,
onde as linhas da parede
se cruzam,
uma aranha armou
ardilosa teia.

Ordeno os fios
no meu inconsciente
e construo com eles um castelo
da espessura da pétala da papoula,
onde,
temerariamente,
vou abrigar a minha loucura.
Olhe, tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras.
Sou irritável e firo facilmente.
Também sou muito calma e perdôo logo.
Não esqueço nunca.
Mas há poucas coisas de que eu me lembre.

Clarice Lispector

7.25.2008

branca

7.22.2008

O jardim cochila úmido
sob o sereno da madrugada.
e a abelha embriagada de néctar
pousa errante na pétala
da rosa entreaberta.

Um ipê desnudo,
silhuetado contra a claridade
do sol nascente,
deixa cair sua última flor.

Súplice, a natureza clama
que eu desperte,
e pelo canto alegre
de um pássaro que desconheço,
vem dizer que cessou a tempestade
e o dia de hoje
é feito de esperança e recomeço.

7.21.2008

olhar

7.19.2008

Pluma irrequieta,
ao feitio de resposta malcriada
que não sossega, impaciente,
carrega-me contigo
na tarde de outono
num vento indolente!

Leva-me para o infinito
até eu me sentir
em profundo azul transmutada.
Olvida o pássaro a quem pertenceste.
faça-me esquecer o amor
a quem me mantive atada.

Ah! Pluma irrequieta!
Se te perderes na tarde do outono,
no vasto céu, ou numa alva açucena,
deixa-me, por favor, de delicada sílfide,
a tua resposta mais amena.

7.15.2008


Tenho tanto medo das palavras.
Elas dizem tudo com tamanha precisão...

Rainer Maria Rilke

7.14.2008

Não tinhas nome.
Existias como um eco do silêncio.
Eras talvez uma pergunta do vento.

Albano Martins
dizem que a paixão o conheceu
mas hoje vive escondido nuns óculos escuros
senta-se no estremecer da noite enumera
o que lhe sobejou do adolescente rosto
turvo pela ligeira náusea da velhice

conhece a solidão de quem permanece acordado
quase sempre estendido ao lado do sono
pressente o suave esvoaçar da idade
ergue-se para o espelho
que lhe devolve um sorriso tamanho do medo

dizem que vive na transparência do sonho
à beira-mar envelheceu vagarosamente
sem que nenhuma ternura nenhuma alegria
nunhum ofício cantante
o tenha convencido a permanecer entre os vivos

Al Berto

7.11.2008

solitude
Quando se deitava e fechava os olhos
um pensamento se formava
e por meio dele as imagens surgiam
cada vez mais perfeitas.

Então, ele se acostumara a dormir,
pois não podia mais se alcançar
sem ser através da agudez do sono.

O sonho não tinha hiatos
e se desenrolava
como na canção de Chico Buarque:
da varanda atirava pérolas,
um jato roçava as catedrais
e nada precisava corrigir.

O dia lhe pesava nas finas pálpebras
como ferro sobre paina.

7.09.2008

Ao contrário dos outros homens
em que as almas habitam o corpo,
nele era diferente.

Seu espírito era senhorio da carne.
E quem ficasse atento
à sua passagem,
poderia sentir o flanar de asas
em lugar de gestos;
compassos de música
em lugar de passos,
versos locando palavras.

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