8.29.2007


Há um ocaso tingido de incêndio
fechando o dia
e derramando cinza
na boca da noite

8.28.2007

Faze de mim o sentinela de teus longes,
faze de mim o ouvidor do rochedo;
dá-me que os olhos meus eu arregale
por sobre a solitude de teus mares;
deixa-me ser o leito de teus rios,
infenso ao grito de qualquer das margens,
bem longe, para além do som das noites!

Dança-me por tuas vazias terras
pelas quais os mais largos ventos passam
e onde claustros, como muros enormes,
encerram tantas vidas não vividas.

Lá ficarei eu entre os peregrinos,
das vozes e das atitudes deles
isolado não mais por mentira nenhuma,
e atrás de idosos cegos
seguindo a senha que nenhum conhece.

Rainer Maria Rilke

8.26.2007

Quando a tardinha vem mansa,
e o poente acama o sol já sonolento,
as águas do rio tingem-se de negro
e ele segue seu curso escuro e lamacento.

Mas, lá adiante, onde as margens
fazem curva pronunciada,
os raios do sol dormente,
em retirada,
beijam o rio no adeus do dia,
e este cora em purpurina dourada.

Escondido no taquaral o pássaro fugidio
em canto triste anuncia ao matagal:
- “Sim, é de ouro a cor da curva do rio...”.

8.24.2007

Pluma irrequieta,
ao feitio de resposta malcriada
que não sossega, impaciente,
carrega-me contigo
na tarde de outono
num vento indolente!

Leva-me para o infinito
até eu me sentir
em profundo azul transmutada.
Olvida o pássaro a quem pertenceste.
faça-me esquecer o amor
a quem me mantive atada.

Ah! Pluma irrequieta!
Se te perderes na tarde do outono,
no vasto céu, ou numa alva açucena,
deixa-me, por favor, de delicada sílfide,
a tua resposta mais amena.


8.23.2007


o silêncio tem a espessura das papoulas murchas
e os objectos parecem aproximar-se do sono
inclinam-se para o lado onde se situam os moinhos as ermidas
os bosques diluídos
o nítido ladrar dos cães
que horas serão para lá desta fotografia?

com uma grande angular circundo o mosteiro ao morrer do dia
perto dos jardins cheira a laranjas orvalhadas em tua respiração
tenho uma iluminação de astros rebentando do arco-íris da noite
quando abro o diafragma todo para as linhas oblíquas do rosto em telha quase rubra
o dia desaguou ao fundo das ruas desertas
apresso o passo debaixo do voo das aves
recolho o olhar
onde um fauno vem beber a nocturna nudez das aves

Al Berto

8.22.2007


O negrume da noite
cobriu o dia
e veio carregado
de um silêncio singular,
como se a vida emudecesse
só para ouvir a tristeza cantar.

8.19.2007

Quero a face pacificada
dos anjos tocando harpa
ou do boi apascentado no pasto.
O ricto da dor
e o sulco da lágrima
têm texturas de aço.

8.17.2007

Eu queria trazer-te uns versos muito lindos
colhidos no mais íntimo de mim...
Suas palavrasseriam as mais simples do mundo,
porém não sei que luz as iluminaria
que terias de fechar teus olhos para as ouvir...
Sim! Uma luz que viria de dentro delas,
como essa que acende inesperadas cores
nas lanternas chinesas de papel!
Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas
do lado de fora do papel...
Não sei, eu nunca soube o que dizer-te
e este poema vai morrendo, ardente e puro,
ao ventoda Poesia...como
uma pobre lanterna que incendiou!

Mário Quintana
Quero a rota
sem mapa e sem bússola
do pássaro que voeja
ao meio-dia.

Nela a luz é a rota
e o pássaro acontece
em claridade e adejamentos

8.15.2007


As mágoas se constelaram
e a luz da ira maior
resplendeu na escuridão
da noite dos inconformados.
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer

Cesário Verde

8.13.2007


Vou buscar num altar qualquer
da minha infância,
o encanto mágico da lamparina,
onde a chama estática
flutuava sobre água e óleo.
Trago essa luz-menina
para os dias adultos
que a vida escureceu.

8.11.2007

Além de mim,
quero apenas essa tranqüilidade
de campos
de flores
e este gesto impreciso
recompondo a infância.

Além de mim –
e entre mim e meu deserto –
quero apenas silêncio,
cúmplice absoluto do meu verso,
tecendo a teia do vestígio
com cuidado de aranha.

Olga Savary

8.10.2007

Em cada vão da veneziana,
uma nesga de sol
abre no quarto
o sulco do dia.
A noite se despede
e deixa na pele
o ranço de quem
se sabe só...

8.09.2007


8.08.2007

A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . .
E lá do fundo vem a voz
Humilde e lamentosa
Dos pássaros da treva.

Em nós,— Em noss'alma criminosa,
O pavor se insinua . . .
Um carneiro bale.
Ouvem-se pios funerais.

Um como grande e doloroso arquejo
Corta a amplidão que a amplidão continua . . .
E cadentes, metálicos, pontuais,
Os tanoeiros do brejo,
— Os vigias da noite silenciosa,
Malham nos aguaçais.

Pouco a pouco, porém, a muralha de treva
Vai perdendo a espessura,
e em breve se adelgaça
Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva
A sombria massa
Das serranias.

O plenilúnio vai romper . . .
Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas deliqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Enfim, cheia, serena, pura,
Como uma hóstia de luz erguida no horizonte,
Fazendo levantar a fronte
Dos poetas e das almas amorosas,
Dissipando o temor nas consciências medrosas
E frustrando a emboscada a espiar na noite escura,
— A Lua
Assoma à crista da montanha.

Em sua luz se banha
A solidão cheia de vozes que segredam . . .
Em voluptuoso espreguiçar de forma nua
As névoas enveredam
No vale.
São como alvas, longas charpas
Suspensas no ar ao longe das escarpas.

Lembram os rebanhos de carneiros
Quando,
Fugindo ao sol a pino,
Buscam oitões, adros hospitaleiros
E lá quedam tranqüilos ruminando . . .

Assim a névoa azul paira sonhando . . .
As estrelas sorriem de escutar
As baladas atrozes
Dos sapos.

E o luar úmido . . . fino . . .
Amávico . . . tutelar . . .
Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . .

Manuel Bandeira

A cor da borra
que o cristal transpassa
é como a marca
incólume deixada
por este amor
com textura de taça,
que como o vinho
se acabou...

E ao anoitecere ao anoitecer
adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele
uma criança de lume
e na fria lava da noite
ensinas ao corpo a paciência
o amor
o abandono das palavras
o silêncio e
a difícil arte da melancolia

Al Berto

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