8.28.2006


Assombra-me este poema mudo,
este prenúncio de palavra,
ancorado em meu porto.
Feito pacote sem remetente,
implora a minha adoção.
Insinua-se exalando um frescor de prosa,
meio rosa, meio dor.
Não me entusiasmo.
Apenas o observo em seu sabor de silêncio
e tento absorvê-lo à distância.
Temo que seja um poema feliz.
Este não o quero.
O poema feliz é o retrocesso da poesia.


Pe. Fábio de Melo

8.24.2006

Aqui termina o caminho. Os sinos cantando, as sombras todas se diluindodentro da tarde.
Dentro da tarde, o teu grave pensamento de exílio. Por que ainda esperas?
Aqui termina o caminho, aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.
Por que não esquecer, agora, as imagens que tanto nos perturbarame que inutilmente nos conduziram para nos deixar, de súbito, na primeira esquina? Essa voz que vem, não sei de onde, esses olhos que olham, não sei o quê, esses braços que se estendem, não sei para onde... Debalde esperarás que o oco de teus passos acorde os espaços que já não têm voz. As almas já desertaram daqui. E nenhum milagre te espera, nenhum.

Emílio Moura

8.21.2006

Sou fruto de incontáveis
embates de enxertias
e múltiplos desbastes,
nem sempre suaves,
nem sempre poesia

8.20.2006



Em sua outonal beleza estão as árvores,
Secas as veredas do bosque;
No crepúsculo de Outubro as águas
Reflectem um céu tranquilo;
Nessas transbordantes águas sobre as pedras
Banham-se cinquenta e nove cisnes.

Dezenove outonos se passaram desde que
Os contei pela primeira vez;
E, enquanto o fazia, vi
Que de repente todos se erguiam
E em largos círculos quebrados revolteavam
As clamorosas asas.

Contemplei esses seres resplandecentes,
E agora há uma ferida no meu coração.
Tudo mudou desde o dia em que ouvindo ao crepúsculo,
Pela primeira vez nesta costa,
A alta música dessas asas sobre a minha cabeça,
Com mais ligeiro passo caminhei.

Infatigáveis, amante com amante,
Movem-se nas frias
E fraternas correntes ou elevam-se nos ares;
Os seus corações não envelheceram;
Paixão ou conquista solicitam ainda
Seu incerto viajar.

Mas vagueiam agora pelas quietas águas,
Misteriosos, belos;
Entre que juncos edificarão sua morada,
Junto a que lago, junto a que charco,
Deliciarão o olhar do homem quando um dia eu despertar
E descobrir que voando se foram?

Willian Butler Yeats

8.15.2006

Prefiro me calar,
pois a voz que se eleva
é pedrada certeira.
Fere o ar que a carrega.

8.14.2006




O vento, ouvidor das palavras que voavam, já não escuta os seus ais. O leitor passageiro albergou-se junto à lareira, com café quente e cobertor macio e não se importa mais com o lirismo da vida. Um carteiro descuidado errou o destinatário e o que era endereço certo, é hoje busca sem resultado. A palavra cansada da chuva e do sol acinzentou-se e a menina que gostava de poesia, tal qual flor de lótus, voltou para as águas lodosas da reclusão. Em qual terreno largou suas pétalas?

8.13.2006





Sozinho, sozinho, perdido na bruma.
Há vozes aflitas que sobem, que sobem.
Mas, sob a rajada ainda há barcos com velas
e há faróis que ninguém sabe de que terras são.
- Senhor, são os remos ou são as ondas o que dirige o meu barco?
Eu tenho as mãos cansadas e o barco voa dentro da noite.


Emílio Moura

Powered by Blogger