1.26.2011

só conseguia amar-te se falasses de mim
sem cessar

hoje vivo quase sempre sozinho
paciência
os momentos de infelicidade estão esquecidos

uma pétala de luz percorre as linhas da mão
o rosto é aquele que sonhei
e não o que a noite dos espelhos tenta dar-me

eis o retrato de meu único amigo
a quem tudo revelo
o que me cresceu no coração


Al Berto

1.24.2011

o silêncio tem a espessura das papoulas murchas
e os objectos parecem aproximar-se do sono
inclinam-se para o lado onde se situam os moinhos as ermidas
os bosques diluídos
o nítido ladrar dos cães
que horas serão para lá desta fotografia?

Al Berto

1.20.2011


escrevo-te a sentir tudo isto
e num instante de maior lucidez poderia ser o rio
as cabras escondendo o delicado tilintar dos guizos nos sais de prata da
fotografia
poderia erguer-me como o castanheiro dos contos sussurrados junto
ao fogo
e deambular trémulo com as aves
ou acompanhar a sulfúrica borboleta revelando-se na saliva do lábios
poderia imitar aquele pastor
ou confundir-me com o sonho de cidade que a pouco e pouco morde a
sua imobilidade

habito neste país de água por engano
são-me necessárias imagens radiografias de ossos
rostos desfocados
mãos sobre corpos impressos no papel e nos espelhos
repara
nada mais possuo
a não ser este recado que hoje segue manchado de finos bagos de romã
repara
como o coração de papel amareleceu no esquecimento de te amar


Al Berto

1.14.2011

recado

desprende-se do teu olhar o magnífico abandono dos animais adormecidos
recordo tuas mãos gretadas pelos sóis oblíquios destes dias
do corpo esquecido jorram resinas
retenho ainda os mais íntimos desejos de me confundir com a paisagem
ou de viver precariamente no outro lado do seu silêncio enrubescido

Al Berto

PARA AL BERTO

Faltou a emoção
que dava voz ao grito
e assim,
lasso e frouxo
o grito calou também a poesia
que gritava em mim.

No seu lugar,
uma nova canção, saída do submundo,
não mais da ordem burocrática do neorealismo,
mas o da agressão e da desordem,
há de ocupar meu canto
minha voz
e meu sossego.

Vem esse canto repleto de lirismo
de uma expressividade próxima das sensações e dos sentimentos
onde avulta a obsessão do amor,
da morte
e do tempo.
Fruto emocional que traz em si
a seiva extraída do alburno confessional de outro poeta.
É porém certo
que essa voz se alevante
sobre todas as coisas que gritei até agora.
Que sobreviva a poesia e
que cante um poeta maior.

1.08.2011

Uma palavra dita de passagem
embora torta ou do avesso
vem provar

a permanência do carinho
que o pó do tempo
ou as cinzas do silêncio
não conseguiram arrefecer.

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