3.31.2008


O negrume da noite
cobriu o dia
e veio carregado
de um silêncio singular,
como se a vida emudecesse
só para ouvir a tristeza cantar.

3.29.2008

Habituou-se à música estranha da noite:
um pio aqui, outro lá do pássaro noturno;
o diálogo soturno dos cães que se comunicam.
Quando pássaros e cães adormeciam
havia a possibilidade de ouvir
a fricção delicada do silêncio contra o silêncio.
Era um lamento de tristeza.

3.28.2008



de repente fez-se róseo o entardecer

3.26.2008

Depois de longa ausência,
ele retornou ao aposento.
Tudo estava diferente.
No centro do cubículo,
a pequena mesa de mogno
ainda amparava
a velha máquina de escrever.

A um canto, madeiras sem endereço.
Amontoados do que havia sido o leito

Uma luz amarela e tímida
enchia de sépia o ambiente,
com aquele tom de desolação,
só encontrado onde a vida deixou de ser.

Tudo era abandono,
menos o convite insinuado
na folha de papel em branco
pedindo o recomeço.

3.18.2008

Aos setenta anos de idade, exatamente no ano de 1970, Jorge Luís Borges, escreve O Informe de Brodie, livro de contos, que foge de seu estilo antigo, repleto de abstratos e signos. No prólogo o escritor afirma que a “literatura não é outra coisa que um sonho dirigido” e “tentei, não sei com que resultados, a redação de contos diretos. Não me atrevo a afirmar que são simples; não há na terra uma só página, uma só palavra, que o seja, já que todas postulam o universo, cujo atributo mais notório é a complexidade.” As citações vêm de encontro com o esforço do escritor na busca da simplicidade e quase que por milagre, encontramos aqui um Borges claro, rasteiro à realidade e extremamente simples, sem a complexidade dos seus escritos anteriores, onde sonhos emaranhados eram os ditadores da literatura. Dos onze contos do Informe de Brodie, somente dois deles possuem a chave fantástica. Borges preferiu nesses contos, segundo suas próprias palavras, a preparação de uma expectativa à de um assombro. Aos setenta anos Jorge Luis Borges diz ter encontrado a “sua voz”.
No Informe de Brodie, os contos estão situados longe, no tempo e no espaço, permitindo à imaginação agir com mais liberdade. Borges escreve esses contos de maneira fiel como lhe foram narrados, ou vividos, mas diz sofrer as tentações literárias de acentuar ou acrescentar aqui ou acolá, algum detalhe. O tema principal das narrativas de Borges é a religião da coragem e em todos eles, há casos de brigas, punhais, assassinatos e traição, sempre entre dois rivais e coincidentemente, sempre parecidos, como se o autor se dividisse em dois ou ainda como se olhasse um espelho. Há em Borges o dom da ambigüidade intencional.
Especial atenção merece o conto: “O encontro”, que relata um duelo entre dois homens, numa casa cujo dono era colecionador de armas brancas. O contista encerra a narrativa concluindo que não foram os homens que duelaram. “Lutaram as armas e não os homens. Elas tinham dormido lado a lado numa vitrina até que as mãos as despertaram” e “Em seu ferro dormia e espreitava um rancor humano”.
Dos onze contos publicados em O Informe de Brodie, encontramos em “ O Evangelho Segundo São Mateus” a riqueza da narrativa e o final surpreendente, qualidades que caracterizam grandes escritores. Os contos de Borges, construídos em diversos planos, encerram riquezas não apenas visíveis nas palavras, no mundo real, mas também no mundo virtual com a disposição e ligação dos elementos narrativos. Cada leitura encanta e a aventura de depararmos com um Borges claro e acessível, resulta compensadora.

3.16.2008


Na varanda, um tempo
Perseguiu as cores, já mortas.
E a poesia, invasora,
Revia os esconderijos
Da natureza.
E o poeta, ser abissal,
Deixou de buscar a palavra:
Elo incompreensível,
Tenso, a remendar o passado.

Das ripas do soalho,

Dos esteios já tortos,
Das telhas e musgos,
Dos semblantes ausentes,
Dos tantos futuros possíveis
Sobraram nadas intensos,
Abriram-se estradas
De mundos além do sonho.

Daí, que vitória

Há de crer o poeta?
Tragado pelo tempo,
De si esquecido,
A sofrer rotinas
Na cidade sem varanda.

W.L. Prudêncio

3.13.2008

Eu te vi à luz dos teus reflexos,
espectro quase invisível,
de mãos trêmulas
e olhos bistrados.

Eu toquei a tua pele de alabastro,
úmida de cristalizados suores.

Eu senti a leveza dos teus pecados,
sob o lastro do prisma azulado,
misericórdia de Deus.

Eu te reli,

como se inédito foras.
Invadi teus poemas de dores,
e recitei os versos,
como se fossem meus.

3.09.2008


Prenúncio de tempestade

3.07.2008

Essa dor que não se esgarça
nem tropeça,
bate latejante na parede da veia,
dia e noite, dia e noite...

Guerra silenciosa
entre o bem que desejo
e o mal que faço.
Entre a placidez de fora
e a flama que chamusca
o dentro...

Essa dor açoite,
que não sangrou ainda
pedaço do espectro
do amor que finda.
Dia e noite, dia e noite...
Perdi a liberdade dos quintais
e a planura dos campos verdes.
Secaram-se os rios da minha infância
e aquela mangueira anosa,
já não estende sua fronde
sobre o cansaço da estripulia.
Meus passos não tocam mais a terra.

Trajo-me agora de pedra e cal.
Paredes maciças e janelas gradeadas.
Tenho na pele a cor do alabastro.
Sou ultrajada prisioneira desta cela
onde alastra o verso,
onde sufoca o espaço...

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