12.31.2012

SENSÍVEL
                            
Ficaste em mim,
não nas mãos
que não mais te sustentam,
mas nos gestos que faço.
Não nos abraços
que não mais te enlaçam,
Mas no frêmito.

Ficaste em mim,
não nos beijos,
que já não me aquecem,
mas nas palavras
que entremeiam os lábios.
Não no olhar,
(tinhas a face sempre velada),
mas na fotografia
que imprimiste na alma,
hoje esfacelada.

Ficaste em mim
e eu consigo tocar-te,
(mesmo depois da partida)
como o mutilado que toca as flores
e sente-lhes as formas e as cores
mesmo depois do membro amputado.

12.28.2012

ALBERGUE

No canto direito do quarto,
onde as linhas da parede
de cruzam,
uma etérea aranha
teceu ardilosa teia.

Ordeno os fios
no meu inconsciente
e construo com eles um castelo
da espessura da pétala da papoula,
onde,
temerariamente,
abrigo a insensatez da espera.

12.27.2012

CORPO E ALMA

Ao contrário dos outros homens
em que as almas habitam o corpo,
nele era diferente.

Seu espírito era senhorio da carne.
E quem ficasse atento
à sua passagem,
poderia sentir o flanar de asas
em lugar de gestos;
compassos de música
em lugar de passos,
versos locando palavras.

12.21.2012


PERMANÊNCIA

Tu me disseste que virias
Com sinais no sol e cercanias
Troar nas ondas e no mar.
Tu me preveniste do medo
Pois numa nuvem em degredo
virias para governar.

Por sete vezes pus-me ao alto
a olhar para o Oriente
E num mergulho consciente,
Aplainei soberba e orgulho
Fiz-me vale, fiz-me sombra
Vesti-me da noite escura
Quando não ouvi o teu troar.

Esperei-te então, mais atento
Na brisa púrpura do advento
E não te ouvi, por sobre o vento
Num murmúrio a caminhar.

Vaguei sem lenitivo
Entre cegos e mendigos
Prostitutas e perdição
Vi a fome e a violência,
O vício a truculência
A angústia e a solidão

Vi justos em calvários
Pecadores em altares
Inocentes na prisão.
Vaguei outra vez por noite escura
E doeu-me na carne a secura,
Dos olhos tristes do meu irmão.

Foi então que num lampejo
Atendendo ao meu desejo
Deste à espera um sentido
E revelaste que entre as agruras,
Mesmo na noite escura,
Nunca havias partido


12.04.2012

ODE À CHUVA
                                              
Nem Mozart ou Bach
comporiam com maestria
esta melodia andante
na hora morta da madrugada
quando tudo silencia.

Semínimas de cristais
batem na pingadeira
e uma insistente colcheia
malha a calha,
como se o compositor
dormisse os pés nos pedais.

Não há virtuose
(Händell ou Chopin)
capaz de despertar pássaros
com tamanha suavidade,
como esta música
que solfeja a chuva
e arpeja a noite,
acordando a manhã.

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