DESCORTÍNIO
O vento de todos os dias
agita a cortina rendada
que se desprende
dos mundos encobertos
e vence corajosa os peitoris.
A renda se lança frenética
devastando todos os desertos
do quintal dos bem-te-vis.
CREPUCULARNo por do sol, uma cor se deita noutra, depois noutra, depois noite...
INQUIETAÇÃO
Galopam pelo dia de sol
os cavalos negros
da noite de pesadelos.
Levam demônios
pelas patas adentro
e vão abrindo as ventas
para aspirar o tempo.
Galopam pelo dia de sol
os cavalos negros
da noite de medo.
Estéril é o intento
da paz em detê-los.
Relincham destemidos
sobre as horas de sossego.
Galopam pelo dia de sol
os cavalos de pesadelos.
CREPUSCULAR
É frouxa a luz que me detem.
Chama bruxuleante
à menor brisa se esvai.
Além, muito além
dessa agonia crepuscular
há um sol, que sonolento cai,
poente de poesia.
FRESTAS
Por mais que se adentrem dois corpos
na demência dos desejos,
por mais que se acrisolem duas almas
em primoroso entendimento,
existem frestas,
por onde voam as aves engaioladas,
que não alcançaram dos amores passados,
o total esquecimento...
INTERRUPÇÃO
Cessa a música
e as mãos ficam
ancoradas
sobre o teclado,
em silêncio...
O tempo não se detém
a olhar o desconcerto.