Eu quis deter o vôo da palavra que resvalava asas na luz das idéias. Eu tentei silenciar seu pio noturno, apagar seu brilho difuso, mas a palavra insistia, rodopiando as velas. Faminta, empírica, quase inédita. Palavra alada. Epifania!
Vou buscar num altar qualquer da minha infância, o encanto mágico da lamparina, onde a chama estática flutuava sobre água e óleo. Trago essa luz-menina para os dias adultos que a vida se encarregou de escurecer.
Dividimos o mistério da vida como quem partilha o pão e convivemos entre estrelas relâmpagos e remansos, conchas, limos e perdão.
Cercamo-nos do vento e do vôo das andorinhas. Acariciamos pétalas de rosas e agapantos enluarados e a música foi a nossa cercania.
Pautamos poemas com dedos de âmbar e entre silêncios, incêndios e palavras nos vestimos de encanto e desnudamos o que havia de compacto. E por sermos essencialmente abstratos, ousamos escrever nosso nome sobre as águas.
Oh dia! Dai-me por misericórdia a paz escusa que a noite de pesadelos negou. Repousa tua luz sobre meus olhos cansados de contemplar escuros vazios, e faze, por piedade, que sequem em mim os suores de todos os rocios, só sentidos por loucos, poetas e amantes.
Esta palavra que hoje me vem, alguma goela a pronunciou. Já foi oráculo de outra boca, espiga de outro trigal, fruto de outra gleba, flor de outro quintal.
Esta palavra que hoje me assalta, é minha e eu não a possuo. Retenho dela a prece, o pólen e as pétalas e deixo que parta para enlouquecer outro poeta.
Os direitos autorais dos textos publicados em itálico são de autoria de Felice Bauer e estão reservados nos termos da legislação vigente. Permite-se a reprodução desde que sejam citadas a autora e a fonte.