Passo o tempo a olhar, a folha em forma de concha, que sustenta os pingos da chuva, até quarenta e três. Depois, pesada, derrama os pingos de uma vez na terra encharcada...
Como menino a brincar na bica a folha repete o gesto, enquanto estou por perto...
No vai e vem do verde, ouço os quarenta e três conselhos que o pensamento dita, e vou anotando à tinta, no papel vermelho que a chuva insiste em manchar...
Segunda De poetas e filósofos tu sabes, sabes também por ti. Por isso eu digo : esta pedra é vermelha, esta pedra é sangue. Toca-lhe : saberás como em segredo florescem as acácias ao redor dos muros, como fluem suas concêntricas artérias. Acaricia-as : tocas a parte mais sensível de ti mesmo. Dizias ontem que o verão ardia nesta pedra. Nela queimavas tuas mãos. Onde as aqueces hoje? Eu digo : o verão não morreu, esta pedra é o verão. E tudo permanece. E tudo é teu. Tu és o sangue, o verão e a pedra.
Tens uma paleta a que faltam algumas cores. Talvez porque há substâncias a que não soubeste dar expressão. Ou porque elas são incolores. Ou porque em toda a realidade há fendas que nem pela palavra, nem pela cor, alguma vez saberás aprender.
Assombra-me esse poema silencioso que chega à porta do pensamento (como envelope sem endereço) e implora asilo.
Insinua-se na ponta do lápis e a palavra, sua mensageira, vacila um pouco prosa, um pouco rosa, sutil e reticente como a sarça que arde sem se consumir.
Os direitos autorais dos textos publicados em itálico são de autoria de Felice Bauer e estão reservados nos termos da legislação vigente. Permite-se a reprodução desde que sejam citadas a autora e a fonte.